CONVERSA COM O MEDO

_De onde você vem? _De onde você nunca quis olhar. _Do que você é feito? _De pura rejeição de si mesmo.

_Por que você me assombra? _Para você jogar luz nas razões pelas quais não se deixa ser. _E como lidar com você? _Querer lidar já me resolve. Já desfaz o primeiro ponto e deixa a costura aberta. _E não preciso me preocupar em desfazer o resto todo? _Não. Não tire de mim a única função que tenho. Só peço que me reconheça em você. Que me acolha como parte sua, por mais desvairada e transfigurada que seja. Você é minha matéria-prima. Minha comida e minha bebida. _E o que eu faço quando você me visitar? _Não finja que eu não existo e não me confunda com você mesmo. Eu sou claramente um pedaço, não tudo. _Devo te ouvir? Devo seguir seus conselhos de recolhimento? Devo acreditar nas vozes que me impedem de seguir confiante? _Entenda que eu me construo e me desfaço a partir de você mesma. Logo, meus conselhos e minhas vozes são só assombros de uma única mensagem: eu existo e estou aqui. Não me dê muito trabalho. É um saco remendar tantos retalhos e depois desfazer um a um. Se você souber que eu existo e ainda assim agir a partir de si e além de mim, não terei nessa hora material algum para continuar costurando. Você me dá retalhos quando não sabe de mim ou finge que eu não existo. E me dá linha quando se apavora ou me define pelos meus assombros, me reduz a vozes e tormentos que você mesmo cria a partir de mim. _Mas então o que é você em essência? _Sou o que te segura para você não se perder de si. E toda vez que já pode avançar sem se desligar, eu desfaço um pedaço da manta e te dou para ser parte reconhecidamente sua. O tamanho que eu tenho é você quem me dá. Quem escolhe se avança ou se fica, também é você. _Mas então se eu te reconhecer por inteiro, você desaparece? Seu destino é morrer? _Já te disse, eu não sou a manta. Se você um dia me reconhecer por inteiro, então se reconhecerá também por inteiro. E isso não é morrer. Isso é renascer.